31 outubro 2007

Ovelha ranhosa?!

“Ele é a ovelha ranhosa da família!” Quem nunca ouviu esta expressão?

Espero, com este pequeno texto, surpreender-vos, sem vos desiludir!
Pois é, todas as vezes em que usamos a expressão “ovelha ranhosa”, estamos a cometer um erro. Sabem porquê?

Ronha é uma doença que ataca alguns animais, é uma espécie de sarna. A partir deste nome, formou-se o adjectivo ronhoso, que significa “que tem ronha”. E como sabem, muitas palavras assumem sentidos figurados ou são usadas em registo familiar. É o caso. Ronhoso também significa “manhoso, velhaco”, que origina então a expressão tão conhecida OVELHA RONHOSA.
Quanto a ranhoso, ninguém precisa de esclarecimento acerca do seu significado literal! Esta palavra tem também um sentido figurado, que é “desprezível, reles”, mas nunca é usada como combinatória de OVELHA.

Portanto, nunca mais digam que alguém é a ovelha ranhosa da família!

29 outubro 2007

Curioso invejoso


Quem não ouviu já alguém chamar "invejoso" a quem suscita a inveja dos outros, por exibir o que eles não têm, sem partilhar? Eu lembro-me de, na escola, se dizer muito "não sejas invejoso/a" a quem tinha e não dava - pastilhas ou rebuçados, por exemplo - por puro egoísmo.
No entanto, essa acepção do adjectivo invejoso (que provoca inveja) não consta dos dicionários que consultei, e que apenas atestam o mais imediato: "aquele que tem inveja."

É interessante notar, porém, que o adjectivo curioso foi alvo do mesmo tipo de extensão semântica: de alguém "que tem forte desejo de saber", passou a incluir o sentido de algo "que suscita interesse, curiosidade". E esse outro sentido já consta dos dicionários.
Curioso, não?

26 outubro 2007

Data-limite e ideia chave


Confesso que tenho grande dificuldade em compreender os critérios, se é que os há, para usar (ou não) o hífen em palavras ou expressões como data-limite e ideia chave. Quando alguém me pergunta o que deve fazer para saber como escrever esses termos, aconselho sempre a consulta de dicionários e bases de dados recentes, como o Priberam ou a Infopédia - com a ressalva de que existem muitas divergências entre eles a este respeito, sobretudo quando os compostos em causa são criações recentes na língua.

Por exemplo, o termo data-limite, composto por justaposição, foi consagrado pela Infopédia e também consta da Mordebe, pelo que pode escrever-se assim. No entanto, o dicionário Priberam não o regista e o Houaiss (impresso, Círculo de Leitores) também não.

Ideia chave, por outro lado, não aparece com hífen em nenhum dos três primeiros. Assim, para já, deve ser escrita enquanto expressão, com os termos separados. Mas "ideia-chave" tem 836 ocorrências no Google, só em páginas de Portugal, e estou certa de que muita gente, mesmo sem consultar dicionários, também escreveria assim a expressão. Afinal, porque não?

É por isso que recomendo a consulta de pelo menos três instrumentos credíveis e actualizados. O terceiro é para desempatar...

24 outubro 2007

Protestar também significa afirmar!


O sentido mais imediato (e talvez único) de protestar, para muita gente, é “manifestar-se contra”, o que contudo se aplica a esse verbo apenas nos contextos em que é intransitivo, ou seja, em que não exige complemento (embora este possa constar da oração).

Todavia, basta uma consulta rápida ao dicionário para constatar que protestar significa, em primeiro lugar – enquanto verbo transitivo directo – “prometer ou afirmar solenemente”. Assim, quem protesta algo, como um sentimento, afirma-o, declara-o.

Portanto, se protestar significa prometer, declarar, um dos sinónimos do substantivo protesto pode bem ser promessa, ou declaração. Por isso, são perfeitamente correctas estas duas frases:


Aceite o protesto dos meus melhores cumprimentos. (= a manifestação)

O chefe viu-se obrigado a concordar com o protesto dos funcionários. (= a reclamação)


Aliás, há nas cartas formais outro exemplo de um verbo cujo significado, nesse âmbito, é diferente daquele que usamos mais frequentemente no dia-a-dia, que é acusar. Quem não acusou já a recepção de uma carta? Certamente não estava a culpá-la de nada...

Assim, não estranhem fórmulas como “aceite os meus protestos de elevada estima e consideração”. Podem parecer antiquadas e demasiado eruditas, mas estão perfeitamente de acordo com o sentido das palavras usadas.

22 outubro 2007

Homens que pastam...

Sempre me pareceu que "homens que pastam ovelhas" era uma construção absurda, uma vez que as ovelhas pastam erva, pelo que não tem lógica poder aplicar o mesmo verbo com traços semânticos e sintácticos tão distintos. Escrevi, então, o artigo abaixo, que hoje já não publicaria, graças ao comentário que deixou um leitor atento e que vos aconselho vivamente a ler. Agradeço ao Jorge Pinheiro pela sua chamada de atenção!


É normal confundirem-se os verbos pastar e apascentar, que designam relacionadas, embora muito diferentes. Quem pasta são os herbívoros, quando se alimentam de erva. Quem apascenta são os humanos que levam o gado até ao pasto e aí tomam conta dele.
Quando muito, pode dizer-se, num registo mais poético, que um cão apascenta o gado, se for daqueles muito espertos, que vão sozinhos a acompanhar os ruminantes. Mas seria absurdo dizer que os homens “pastam” ovelhas... como se elas fossem erva e eles as comessem directamente do chão!
No entanto, não só há quem use construções desse tipo, como até quem as publique!

18 outubro 2007

ONDE existe, mas às vezes não se recomenda...

Este relativo é com frequência usado incorrectamente, dando origem a erros não ortográficos, mas sim sintácticos. Observem-se os seguintes exemplos:
* Este foi o jogo onde a nossa equipa obteve melhores resultados.
* Ninguém faltou à reunião onde se aprovou o novo regulamento.

Como já foi dito, ONDE exprime a ideia de “o lugar em que”, devendo, por isso, ser associado unicamente a nomes locativos, isto é, nomes que designam um local ou espaço físico. Por exemplo:

Na cidade onde vivo, há muitos espaços verdes.
Fechei à chave o armário onde guardei os documentos.

“Jogo” e “reunião” são nomes que não exprimem essa ideia. Antes pelo contrário, se reflectirmos um pouco, aos mesmos está subjacente uma certa ideia de tempo.
No entanto, não basta que o nome que antecede este pronome seja um locativo; é necessário ter atenção também ao verbo que o segue, o qual deverá reger a preposição em:

A igreja onde casaram é muito antiga. (Casar em)
*A igreja onde visitei é muito antiga. (Visitar alguma coisa)

Nos casos em que o verbo rege a preposição em, mas o nome não é um locativo, devem usar-se os relativos em que ou no/a qual:

Este foi o jogo em que a nossa equipa obteve melhores resultados.
Ninguém faltou à reunião na qual se aprovou o novo regulamento.


(Nota: O asterisco indica que a frase é agramatical, ou seja, incorrecta do ponto de vista sintáctico)

16 outubro 2007

AONDE existe e recomenda-se!

Muita gente pensa que a palavra aonde não existe, porque julga tratar-se do mesmo -a- que se acrescenta a alguns verbos para dar uma certa ideia de “balanço”, por exemplo: *amandar (em vez de mandar), *assentar-se (em vez de sentar-se), entre outros.
Desenganem-se, porque, apesar da inexistência desses pseudo-verbos, de facto, AONDE existe e recomenda-se!

Comecemos por observar os contextos de uso do pronome que lhe deu origem – ONDE. Este pronome significa “em que lugar” e é usado com verbos estativos, ou seja, que não contêm a ideia de movimento, por exemplo: Onde estiveste ontem?
O pronome AONDE, pelo contrário, significa “a que lugar” e é usado com verbos de movimento, por exemplo: Aonde foste ontem?
Para comprovar a existência de AONDE, sugiro que observem as seguintes três respostas e as suas respectivas perguntas:

Resposta 1: “Vim por Alcácer do Sal. ”Pergunta: “Por onde vieste?”
Resposta 2: “Venho de Coimbra.” Pergunta: “De onde vens?”
Resposta 3: “Vou para casa.” Pergunta: “Para onde vais?”

Podemos concluir que a preposição presente na resposta tem obrigatoriamente de estar na pergunta. (para uma resposta “Vim por Alcácer”, a pergunta nunca poderia ser “onde vieste?”).
Ora, tal como POR, DE e PARA, A também é uma preposição. Logo, parece lógico que quando a encontramos numa resposta, a mesma tenha de ocorrer na pergunta, como verificámos com as preposições acima. Assim,

Resposta: “Vou a casa buscar um casaco.” Pergunta: "AONDE vais?"

A única diferença é que a preposição A, como se sentia muito só, pediu o pronome ONDE em casamento, daí a aglutinação – aonde !!

12 outubro 2007

Qualquer, quaisquer e quais queres

O determinante indefinido qualquer é uma palavra composta por aglutinação, tal como malmequer, lengalenga ou pontapé. O plural deste tipo de palavras forma-se, normalmente, flexionando apenas o segundo elemento. Assim, temos malmequeres, lengalengas, pontapés. No entanto, No caso de quaisquer, só o primeiro elemento se flexiona, pelo que podemos dizer que se trata de uma excepção à regra geral.

Em todo o caso, não existem em português palavras compostas por aglutinação cujo plural seja obtido através da flexão dos dois elementos. São, pois, erradas as formas "quaisqueres" e "lengaslengas", que no entanto muito se lêem e ouvem por aí.

Mas atenção! Podemos dizer quais queres sem receio de sermos corrigidos ou criticados... se usarmos o pronome qual no plural, seguido do verbo querer conjugado na segunda pessoa do singular, no tempo Presente do Indicativo. Por exemplo em: “Não pus os teus livros na mala, porque não sei quais queres levar.”












Foto enviada pela Joana. Obrigada, Joana!

10 outubro 2007

“Empregue” e “encarregue”


Embora andem na boca de muita gente, os particípios “empregue” e “encarregue”, dos verbos empregar e encarregar, não constam dos actuais dicionários e bases de dados de português. Não é, portanto, correcto, dizer-se “isso é dinheiro mal empregue” ou “ela está encarregue da revisão do texto”.
Se têm dúvidas, experimentem consultar a Mordebe, os dicionários Priberam ou Porto Editora, por exemplo, ou outros dicionários impressos recentes.
Tanto quanto sei, apenas o Vocabulário de Rebelo Gonçalves atesta a existência dessas duas formas participiais. E qual é o problema desse Vocabulário, que é uma das grandes obras de referência, por exemplo, do Ciberdúvidas? É que a obra data de 1967, quase ninguém a conhece e não está disponível no mercado. Não se pode, pois, encarar este vocabulário, por mais bem conseguido que esteja, por mais útil que seja, como regra para os nossos dias.
Paradoxalmente, porém, e apesar de nenhum dos actuais instrumentos de consulta que verifiquei apresentar os particípios "empregue" e "encarregue" no quadro dos respectivos verbos conjugados, é inegável que, se tantos falantes os utilizam, o tal Vocabulário é, no que respeita a esses itens, mais fiel ao uso actual do que as modernas bases de dados!
Conclui-se, portanto, que há qualquer coisa que não está bem...

09 outubro 2007

Comida à “descrição”?!

À porta de alguns restaurantes tipo rodízio, há umas tabuletas com um slogan apelativo que nos convida a entrar: “Comida à descrição!”
Durante alguns instantes, fico ali trépida, reticente, com um pé dentro, outro fora, sem saber bem o que fazer perante a fealdade daquele erro que me tira logo o apetite...

Mas, afinal, qual a diferença entre descrição e discrição? E qual a expressão correcta: à descrição ou à discrição?
Descrição é o acto de descrever, por exemplo, “A lojista fez uma descrição minuciosa do assaltante.
Discrição é a qualidade do que é discreto: “Ela veste-se com muita discrição.”
A expressão à discrição, frequentemente usada, significa “à disposição, à vontade, sem restrições”.
Parece não haver qualquer relação entre esta expressão e a palavra discrição, porém, os dicionários etimológicos dizem-nos que o significado original de discrição é precisamente “capacidade de ser prudente, de se conter”.

Até parece um contra-senso, porque quando comemos num desses restaurantes “à discrição”, somos tudo menos discretos!

08 outubro 2007

Ainda os acentos... palavras terminadas em -inho/a



Esta regra, prometo, é muito simples: NENHUMA palavra terminada em -inho ou -inha leva acento gráfico.

Portanto, deixem-se de “avôzinhos” e “avózinhas”, de “cafézinhos”, de “cházinhos”, de “baínhas”, “pézinhos” e, sobretudo, de “sózinhos”!

É que em todas essas palavras a vogal tónica é o i da penúltima sílaba. E não se pode colocar acento agudo ou circunflexo noutra vogal que não seja a tónica, por mais aberto que seja o seu som.

04 outubro 2007

Incarnar ou encarnar?


Eu bem tento ler um livro pelo seu conteúdo, deixar-me absorver pela informação que estou a retirar da leitura. Mas, a cada passo, vejo-me obrigada a parar e a questionar-me sobre o uso da língua que o autor ou o tradutor faz. Por mais interessante que seja o assunto (e é!), não consigo evitar distrair-me com o português! É o mal da minha profissão...

Desta vez, fiquei perplexa com o facto de, na mesma página do livro que citei no desafio de ontem, aparecerem duas variantes da mesma palavra:


Muhammad Yunus incarna antes de mais o ideal híbrido [...].


Estes alter-empresários [...] não se manifestam para reclamar a mudança, encarnam-na e provocam-na.


Como se não bastasse, na página seguinte ainda li:


Então incarnemos o desenvolvimento sustentável nos exemplos de sucesso [...].


...e achei que deveria ter a humildade de ir verificar se o verbo “incarnar” não existiria mesmo, ao contrário do que eu pensava. O resultado na Mordebe foi “palavra não encontrada”. Porém, e depois de a Infopédia me ter aconselhado a verificar a ortografia da palavra incarnar, que também não constava da base de dados, pasmei quando abri o dicionário on-line da Texto Editora, que apresentava incarnar como variante de encarnar (na verdade, o verbo em latim começava com i).

Agora ficam-me duas perguntas: por que razão aqueles dicionários não apresentam a mesma informação em relação a este item? E por que motivo o tradutor do texto resolveu usar alternadamente uma e outra grafia?

E depois admiram-se que eu só leia uma página do livro por dia!!



03 outubro 2007

Desafio

Esta frase está correcta ou não? Porquê?

“Os cerca de duas dezenas de colaboradores que actualmente me rodeiam partilham todos da mesma preocupação de resultados concretos, para um impacto global positivo.”

De: Maximilien Rouer, Prefácio a 80 Homens para Mudar o Mundo. (Trad. Maria Amélia Pedrosa. Porto, Ambar, 2005, p.16).

01 outubro 2007

Em diferido ou em deferido?

Com o desporto a inundar os nossos ecrãs, em particular, o futebol, pode surgir-nos esta dúvida:
“O jogo vai ser dado em diferido ou em deferido?”
Pois bem, vamos lá saber que significados podem assumir estes dois verbos.
Deferir significa aprovar, conceder. Se fiz um requerimento, posso dizer que “o meu pedido foi deferido”, ou seja, “foi aceite”.

Diferir, por sua vez, exibe dois significados: 1. ser diferente, divergir: “A minha opinião difere da tua”; 2. adiar, transferir para outra data: “Vou diferir o pagamento deste serviço”.
E é com esta segunda acepção que a nossa dúvida fica resolvida:
Um jogo que não é transmitido em directo é, sim, transmitido em diferido!