26 fevereiro 2009

Resserção, ressarço, ressarcimento... afinal, como é?!

O verbo ressarcir (que significa compensar, indemnizar) terá, ou não, um nome correspondente?

Que esse nome faz falta, não há dúvida. Em frases como aquela que vos forneci no desafio anterior, aparece pelo menos uma tentativa de aproximação, no sentido de referir o "acto ou efeito de ressarcir". Mas é usado o termo "resserção", que não só não existe em português, como não está bem formado, do ponto de vista morfológico, pois a vogal que se segue à consoante "s" deveria ser um "a", como acontece na forma de base, e não um "e".
Posto isto, e tendo em conta as sugestões de correcção dadas por alguns leitores nos comentários, temos as seguintes hipóteses: ressarço e ressarcimento. Ambas estão - aparentemente - bem formadas: ressarço é uma derivação regressiva, como empenho, de empenhar, uso, de usar, ou apelo, de apelar. Ressarcimento é derivada por sufixação, pois acrescentou-se o sufixo nominal "-mento" ao radical verbal "ressarc(i)". Mas será que existem nos dicionários de língua portuguesa?
Ressarcimento sim, é mesmo o que pretendemos: acto ou efeito de ressarcir, o mesmo que compensar ou indemnizar.
Ressarço, porém, não existe (enquanto nome)... e por que motivo? Tradicionalmente, a forma verbal "ressarço", da qual adviria o substantivo idêntico, não era considerada legítima. É que o verbo ressarcir tem sido considerado defectivo, só se podendo conjugar nos tempos e pessoas em que se mantém o "i" após o radical (ressarcimos, ressarci, ressarcíssemos...). Ora, esse i não está presente em "ressarço".
Contudo (e lá vem a controvérsia, a ambivalência, a confusão!), há dicionários e bases de dados que contemplam todas as flexões do verbo ressarcir, incluindo as tais "proibidas" - basta ir à Mordebe. Ao que parece, portanto, o nome "ressarço" tem já consagrada a flexão que lhe daria origem. Ainda assim, não o encontrei atestado enquanto substantivo. Será apenas uma questão de tempo?

24 fevereiro 2009

O que está errado em cada uma das seguintes frases?


No passado dia 17, realizou-se uma reunião entre a actual administração e a administração sessante.

Fomos informados de que a carta que a Administração enviou à Câmara Municipal em 2005 esteve estraviada até 2008.

Foi-nos sugerido que solicitássemos a resserção do montante despendido nas reparações.

21 fevereiro 2009

Língua materna


Mãe.

Não há só uma, como sabes.

E ainda bem.


Não foi do teu ventre que nasci,

mas foste tu

que fizeste nascer o mundo

para mim.


Deste-me sons mágicos

para brincar,

ouviste-me com paciência,

deixaste-me experimentar

experimentar-te

saborear-te

e adivinhar

que dominar-te

não era difícil,

um talento ou uma arte,

mas antes uma parte natural

de ser humana.

Depois, a revelação:

mostraste-me o mundo

nomeável,

reconhecível, chamável,

com a voz da razão.

Nem percebi,

mas tudo o que existia

tudo o que eu sentia

só fazia sentido

porque era vivido

através de ti.

Deste-me

o mundo,

a vida,

a voz,

o ser.

É por isso que vivo

para te aprender.


Nota: 21 de Fevereiro é o Dia Internacional da Língua Materna.

19 fevereiro 2009

Para quem gosta de desafios...


Há um livro de exercícios sobre língua portuguesa com uns bons anos (a 4ª edição é de 1993), mas que é muito diversificado, divertido e útil: Português Língua Viva, de Mendes Silva.

O autor é saudosamente lembrado na "Apresentação", de L. Crespo Fabião, e só por esse texto já vale a pena ler o livro. Contudo, o seu conteúdo é obviamente interessante: não só para quem quiser exercitar os seus conhecimentos, mas ainda por se tratar de um "viveiro de achados metodológicos", decerto valioso para muitos professores.

E convém referir que recomendamos estes exercícios - com soluções no final, como convém - a todos os estudantes que estão a pensar inscrever-se no Torneio ISEC de Língua Portuguesa 2009!

17 fevereiro 2009

Nomes feios



Se o signo é arbitrário, como nos ensinou Saussure, não há razão para nos queixarmos dos nomes que as coisas têm.
E ninguém parece incomodar-se com o facto de não haver uma lógica, um resquício de analogia, entre os objectos e os seus significantes. Quem se importa que uma cadeira não se chame "assentadeira", que em vez de bola não se diga "pumba", que um livro não seja antes um "folhas-juntas"? Até porque sabemos que mesmo as onomatopeias, signos verbais supostamente motivados pelos sons que representam, podem ser completamente diferentes de idioma para idioma.
Então, porque é que há palavras bonitas e palavras feias?
Será porque as bonitas são parecidas com outras, de que gostamos pelas realidades (ou lembranças!) que evocam, ou simplesmente porque resultam de uma feliz - por vezes musical - combinação de fonemas? Talvez...
E, se reconhecemos que gostamos de certas palavras, porque nos soam bem, ou por razões mais sentimentais, alheias à razão, parece natural aceitar que existam palavras feias, desagradáveis, cacofónicas ou evocadoras de realidades grosseiras, desprezíveis.
Nesse sentido, pergunto: qual o motivo que terá levado alguém a escolher tais nomes para certas coisas?!

13 fevereiro 2009

Parabéns... ou não!

Ontem, sem darmos por isso, fez dois anos que aqui andamos, às voltas com a língua portuguesa.

Pretendemos, sobretudo, criar um espaço de diálogo sobre temas relacionados com o nosso idioma, mas também divulgar a nossa actividade e, claro, o ISEC, que é a "casa" onde temos a oportunidade de fazer o que mais prazer nos dá, no que respeita ao trabalho sobre a língua: leccionar.

Para assinalar a data, queremos agradecer, mais uma vez, a todos os que nos seguem e nos dão alento para continuarmos; aos que contribuem para enriquecer os textos com as suas tão acertadas achegas; e também aos que nos questionam, aos que discordam dos nossos pontos de vista e assim nos ajudam a aprender mais. Bem hajam!

11 fevereiro 2009

Desafio verbal

Quem quer tentar preencher os espaços em branco com a forma verbal adequada?


a) Engordei 2 kg, por isso acho que já não ___________ nesse vestido! (CABER)

b) No final do colóquio, ninguém ___________. (INTERVIR)

c) Se o Luís não ____________ o dinheiro que lhe devem, poderá perder o negócio. (REAVER)

d) Esse aluno não ___________ a revisão da prova. (REQUERER)

e) Enquanto eu esperava, ___________ a ler uma revista. (ENTRETER-SE)

f) Obrigada por terem ____________ o nosso desafio! (ACEITAR)

09 fevereiro 2009

Crianções vocabulares



Muito gostaria eu de ser tão talentosa com as palavras quanto o brilhante contista e romancista Mia Couto, que sempre me encanta com as suas "brincriações" vocabulares. Leio e releio os seus livros (o meu preferido é o Mar Me Quer) e, além de me maravilhar com os mundos fantásticos - dramáticos e ao mesmo tempo enternecedores - que ali se revelam, pasmo com a criatividade lexical do autor, que em cada linha nos oferece uma palavra inesperada, tão original quanto expressiva. E não posso deixar de sorrir perante um homem "aldrabom", uma mãe que se "atamanha" com o filho, um pai que "tesourou" a conversa, um rapaz "desatrevido" que se desfazia em "salamoleques".

Há poucos anos, porém, descobri que a incrível capacidade de Mia Couto pode ser encontrada nas crianças, se prestarmos atenção ao que elas dizem. Percebi que, bem vistas as coisas, todos nós temos esse dom maravilhoso para criar palavras perfeitamente compreensíveis e bem formadas, mas inteiramente novas, originais, únicas. O que acontece é que perdemos essa capacidade - como a de brincar, ou a de nos espantarmos perante o que vemos - à medida que vamos crescendo, até nos tornarmos adultos cinzentões, receosos de empregar termos que não existem.

Fiz essa descoberta prestando atenção às palavras que a minha filha começou a criar, por volta dos três anos, fazendo um uso perfeitamente lógico de processos de inovação lexical que, numa língua, permitem gerar novos termos: a prefixação, a sufixação e até a derivação regressiva. E fiquei maravilhada, ao analisar a estrutura das suas invenções. Palavras como a "pratagem" (conjunto de pratos), a "petisca" (acto de petiscar), o "agarramento" (acto de agarrar), "desaquecer" (arrefecer) e "cerejar" (comer cerejas) fizeram-me sorrir e sentir-me feliz, porque inventar palavras dá, eu sei que dá, imenso prazer. Um prazer simples e inocente a que, sem razão, nós, os crescidos, parecemos negar-nos.


Nota: assumo a minha frouxa tentativa de imitar Mia Couto no título: "crianções" serão as criações das crianças :)

08 fevereiro 2009

Expolíngua 2009


No dia 6 de Março, apresentaremos o nosso livro, SOS LÍNGUA PORTUGUESA, na Expolíngua (Clique aqui para consultar o programa), o 19º Salão Português de Línguas e Culturas, no Centro de Congressos de Lisboa.

A entrada é livre!

03 fevereiro 2009

Reservar-se ao direito ou reservar-se o direito?

«A organização reserva-se ao direito de alterar o programa sem aviso prévio».
Esta frase é-vos familiar?
«Reservar-se ao direito» é um erro discreto que teima em permanecer em muitos rodapés informativos.
E porque é que é um erro?
Porque o pronome reflexo se desempenha normalmente a função de complemento directo, por exemplo, na frase «ele lava-se», «ele» é o sujeito, e o pronome «se» é o complemento directo».
Este pronome, porém, pode também ter a função sintáctica de complemento indirecto. É o que acontece nesta frase: «A organização reserva-se o direito de alterar o programa sem aviso prévio», em que a expressão «o direito» é o complemento directo, e o pronome «se» é o complemento indirecto.
Por conseguinte, a estrutura correcta é: «reservar-se o direito», isto é, «reservar para si o direito».