27 julho 2011

Despensa e dispensa

Despensa não despe nem pensa,
é cubículo ou divisão
onde pomos alimentos
para os termos sempre à mão;
dispensa é acto ou efeito
de quem deixa ir, ou não quer:
por exemplo, "se o caldo é fino
ele dispensa a colher."

As coisas complicam-se um pouco
quando pensamos de mais:
pois se a despensa da cozinha
era dispensa em latim
como é que mudou a letrinha
que a torna única assim?
E se a vizinha me dispensa
(porque pode dispensar)
e vai buscar à despensa
um pacote de sal,
porque não hei-de pensar
que é tudo o mesmo afinal?!

Na verdade, os portugueses
com o seu jeito de falar
até podiam escrever "dspensa",
pondo o "simplex" a funcionar...

25 julho 2011

Beneficência ou beneficiência?


É um erro frequente em que caem os mais bem intencionados ;)

A "beneficiência" talvez possa ser a "ciência do benefício", mas a prática da caridade é a BENEFICÊNCIA (sem i antes depois do c), do latim beneficentia. 

 

13 julho 2011

Em que casos o Acordo Ortográfico permite duas grafias?


As chamadas "facultatividades" têm sido dos aspectos mais criticados no Acordo Ortográfico de 1990. Porém, muitos falantes comuns não sabem ao certo o que isto implica. Vejamos alguns exemplos.

Essencialmente, o Acordo permite duas grafias para a mesma palavra nos casos em que há duas possibilidades dentro do que se chama a «pronúncia culta» dos falantes portugueses e brasileiros (v. Base IV do Acordo: «DAS SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS»): isto acontece com as consoantes b, c, m, e p, que podem ou não ser articuladas. Mas atenção: a facultatividade não se refere só às diferenças entre  o português europeu (PE)  e o português do Brasil (PB), mas também às diferenças na pronúncia dos falantes cultos de um dos países.

Assim, há duas grafias possíveis, por exemplo, entre:

subtil (PE) / sutil (PB)
perspetiva (PE) / perspectiva (PB)
indemnização (PE) / indenização (PB)
receção (PE) / recepção (PB) 

Mas os portugueses também poderão, a partir da entrada em vigor do AO, optar, por exemplo, entre:

espectador / espetador
caracterizar / caraterizar
expectativa / expetativa
dicção / dição
faccioso / facioso
veredicto / veredito

Para além disso, no que respeita à acentuação, há também algumas possibilidades de dupla grafia:

- no caso de dêmos (verbo dar no imperativo ou presente do conjuntivo, 1.ª pessoa do plural) e de fôrma, em que o acento circunflexo é opcional, para se distinguirem estas palavras das respectivas homógrafas demos (verbo dar no pretérito perfeito do indicativo, 1.ª pessoa do plural) e forma (substantivo e 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo ou 2.ª pessoa do singular do imperativo) – Base IX «DA ACENTUAÇÃO DAS PALAVRAS PAROXÍTONAS»;

- no caso dos verbos terminados em -ar, quando conjugados na 1.ª pessoa do plural, no pretérito perfeito do indicativo. E cito: «É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tónica/tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português» (v. a mesma Base);

- nas palavras cuja vogal tónica é representada pelas letras < e > e < o >, quando há uma «oscilação de timbre na pronúncia culta», isto porque o < e >  e o < o > são abertos em Portugal e fechados no Brasil: exemplos: Amazónia/Amazônia, cómodo/cômodo, académico/acadêmico, gémeo/gêmeo, tónico/tônico, bebé/bebê, António/Antônio, ténis/tênis ( segundo o texto do Acordo são «muito poucas»)  – isto nas Bases IX e XI.

Finalmente, este Acordo não elimina os casos que já existiam de dupla grafia, tanto entre PE e PB como dentro de uma das variantes.

Entre PE/PB, em palavras como:
 
quotidiano (PE) / cotidiano (PB)
catorze (PE) / quatorze (PB)
registo (PE) / registro (PB)
planear (PE) / planejar (PB)
húmido (PE) / húmido (PB)
Em PE, por exemplo em:
 
bêbedo / bêbado
cobarde / covarde
febra / fevra
loiça / louça
tulipa / túlipa



04 julho 2011

Dextro ou destro?

Dextru- significa «direito» em latim. Mas... como se escreve afinal esta palavra em português?

Devemos escrever destro, quando o adjectivo significa "que fica do lado direito" e também quando o sentido é "ágil, com boa coordenação motora; hábil".

Quanto a dextro-, é a grafia usada em palavras que contenham este elemento de formação, como por exemplo ambidextro (a pessoa que consegue executar tarefas com ambas as mãos, com a mesma agilidade).


Assim nos explica, por exemplo, uma resposta do Ciberdúvidas, que se baseia no dicionário em linha da Porto Editora.

Porém, e para gerar alguma polémica, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa / Verbo), além de apresentar esta mesma informação, também nos diz que dextro é grafia alternativa para destro (na entrada para este adjectivo), apesar de, em dextro, não  indicar que se trata de um adjectivo com o mesmo significado de destro. Por outro lado, consagra ambidestro (com a variante ambidextro).

Conclui-se, então, que ambas as grafias são possíveis nas duas palavras, pelo menos de acordo com esta fonte, embora outras apontem para a diferença que sistematizámos inicialmente. E com estas considerações interrompi a minha leitura de Uma Viagem à Índia de Gonçalo M. Tavares, que aproveito para recomendar!