30 agosto 2011

Sobre o verbo despoletar, ainda e sempre

Afinal, o verbo despoletar é ou não sinónimo de desencadear?

Há duas respostas possíveis a esta pergunta. E contraditórias, por sinal.
A resposta negativa é defendida pela tradição gramatical, que atribui ao verbo despoletar um único significado – o de ação contrária de espoletar: «tirar a espoleta a, travando ou impedindo o disparo de». A partir deste significado literal, o verbo despoletar terá incorporado um sentido figurado: «anular, travar o desencadeamento de alguma coisa».
Mas o verbo contrário ao verbo espoletar não deveria ser desespoletar?
Sim. Terá sido através um processo fonológico, designado síncope, que a forma primitiva desespoletar terá evoluído para despoletar, tendo ocorrido posteriormente a crase dos dois E. O mesmo fenómeno fonético que terá dado origem ao verbo destabilizar, oriundo de desestabilizar.
Por conseguinte, para a tradição normativa, o uso do verbo despoletar como sinónimo de desencadear é uma corruptela, tratando-se de um caso de hipercorreção, tal como aconteceu com o verbo destrocar e tantos outros.

A resposta afirmativa é corroborada por uma corrente linguística contemporânea que considera o prefixo de, não um prefixo com valor de ação contrária, mas, sim, com um valor de reforço, de intensidade, patente em formas como desinquieto, defumar, entre outros. É denominado de prefixo protético.
Assim, atribuindo o valor de reforço ao prefixo de, esta corrente explica o uso generalizado de despoletar como sinónimo de desencadear, deflagrar. E é este uso generalizado o responsável pela inclusão desse significado em alguns dicionários de referência da atualidade.

26 agosto 2011

Desafio linguístico

A frase "Alguns apontam a crise económica como um dos fatores que despoletou os motins", publicada pela agência de notícias LUSA, contém:

(a) zero erros
(b) um erro
(c) dois erros


12 agosto 2011

Nunca houve um fogo neste fogo!

Será a frase do título possível (correcta, do ponto de vista sintáctico-semântico) em português?
Por estranho que pareça, a resposta é sim.

Para quem já se questionou sobre o motivo por que se chamam "fogos" aos apartamentos dos prédios, recomendo  esta explicação do Ciberdúvidas. Afinal, ao que parece, a razão pela qual se dá esse curioso nome às casas não tem nada que ver com apartamentos urbanos, embora seja ainda hoje usado nesse contexto, tal é a força das expressões.

E boas férias de Verão, para quem as tenha!

11 agosto 2011

Acordo Ortográfico

Para quem precise de esclarecimentos neste âmbito, aqui fica a ligação para uma videoconferência sobre o AO.

Acordo Ortográfico

Aproveito para manifestar publicamente a minha indignação perante o uso, em português, por parte da DGIDC e do Ministério da Educação, do termo webinar. Quando muito, e já com algum servilismo ao inglês, deveriam dizer e escrever "webinário" (de web + seminário)...





Ainda o AO

Fernando dos Santos Neves assina um texto intitulado "Onze teses contra os inimigos do Acordo Ortográfico (II)", do qual cito este parágrafo:

«E já agora, e como a subjacente acusação dos antiacordistas é a de que o Acordo Ortográfico constitui um verdadeiro ato de traição a Portugal (o que não deixa de fazer lembrar velhas acusações e despertar velhos fantasmas...), bastaria um mínimo de lucidez para entender que é, precisamente, o Acordo Ortográfico que permitirá a continuação da existência da língua portuguesa no Brasil, etc., a qual, sem ele, inevitavelmente se tornará, a breve trecho, a "língua brasileira”, como de algum modo principiaria a ser o caso. Sem nenhuma tragédia, aliás, para a Humanidade, mas, suponho, com algum legítimo sofrimento para todos os portugueses.


»

Será preciso entender que quem é contra o Acordo (porque não vê nele nem a necessidade nem a capacidade para alcançar o objectivo que se propõe) defende, necessariamente, o "orgulhosamente sós" de eco salazarista?
É que a língua é expressão cultural e, por mais que nos chamemos irmãos, portugueses e brasileiros têm vivências culturais diferentes que se espelham na forma particular de cada povo utilizar a sua versão da língua. E cada versão segue o seu percurso, à medida que a História desenha com maior nitidez as suas idiossincrasias. Não é apenas (mas é também, e não fica resolvida com o AO) uma questão de ortografia! É uma questão de léxico, de sintaxe e afectará também a morfologia.

Não se pode impor politicamente a um povo toda uma forma de falar. E como cada vez mais (infelizmente, acho eu) a fala comanda a escrita, as diferenças aumentarão. Resta saber se nós, ao contrário dos povos que têm o inglês como língua materna, continuaremos a bater com a cabeça na parede pela teimosia de chegar a uma mítica grafia única.