30 novembro 2011

SER ABUSADO, ainda e sempre…

A forma participial «abusado» só por si não constitui erro algum. Corresponde ao particípio passado de um verbo da primeira conjugação – ABUSAR. (Tal como: estudar – estudado; gostar – gostado; comprar – comprado; maltratar-maltratado, etc.).
Assim, é possível termos a estrutura composta TER ABUSADO, em construções participiais ativas como (1):

(1) Esse indivíduo tem abusado frequentemente dessas crianças.

O erro sintático prende-se com o uso do particípio «abusado» com o verbo auxiliar SER, em construções participiais passivas como (2):

(2) * Essas crianças têm sido abusadas frequentemente por esse indivíduo.

A frase (2) tem uma incorreção sintática, porque o verbo abusar NÃO PERMITE construções passivas. E porquê?
Porque é um verbo transitivo indireto, ou seja, é um verbo que é acompanhado de uma preposição.
Assim, verbos como CONVERSAR COM, OBEDECER A, GOSTAR DE, ABUSAR DE admitem apenas construções ativas e NUNCA PASSIVAS. Observem-se as seguintes construções passivas totalmente impossíveis em português:

(3) A Maria conversou com o Pedro.
(4) * O Pedro foi conversado pela Maria.
(5) O Pedro obedeceu aos pais.
(6) * Os pais foram obedecidos pelo Pedro.
(7) O Pedro gosta da Maria.
(8) * A Maria é gostada pelo Pedro.

Do mesmo modo, do ponto de vista sintático, não é possível termos a estrutura (10):

(9) O homem abusou da criança.
(10) * A criança foi abusada pelo homem.

Uma vez que não é legítimo o uso de passiva com este verbo, sugere-se o uso de perífrases, como (11):

(11) A criança foi vítima de abuso /maltratada/molestada/violentada.


Nota: O sinal * indica que a frase é agramatical, ou seja, incorreta do p.v. sintático.

16 novembro 2011

Quem tem e quem não tem medo de ter medo?

Na minha actividade enquanto docente, tenho concentrado boa parte do meu esforço pedagógico em ajudar os alunos a fazerem um percurso que os leve da inconsciência e da despreocupação face aos erros que cometem, na oralidade e na escrita, ao gosto pelo desafio que as situações do quotidiano lhes colocam, no que respeita à distinção entre o certo e o errado, a norma e o desvio.
Basicamente, tento levá-los a considerar que a forma como se fala e escreve é importante, e não indiferente, porque transmite uma imagem de nós que pode ser positiva ou negativa; e procuro transmitir-lhes a ideia de que, se tivermos consciência das nossas limitações e dificuldades, estaremos mais perto de as resolver e de melhorar o nosso desempenho. Explico-lhes, portanto, porque devem passar da atitude de “ah, eu nunca meto acentos” ou “eu nunca sei onde é que devo meter acentos” para a atitude de dizer “se há uma maneira de saber que palavras devem levar acentos e porquê, então eu quero saber qual é!”
Este caminho, que tento levar os alunos a percorrerem, através de actividades e exercícios sempre executados com bom humor e uma atitude essencialmente optimista, implica a passagem por um estádio intermédio – que tento que seja o mais breve possível –, que corresponde à fase em que, tendo tomado consciência da quantidade de erros que cometem, contrariamente ao que pensavam, os alunos têm medo. Medo de errar, medo de dizer ou escrever mal uma palavra ou uma frase, medo de passar a vergonha de assumir, perante si e perante os colegas, que afinal não usam correctamente a sua língua materna.
É uma fase que me faz pensar nas situações de perda, em que a dada altura se passa pela negação, pela incapacidade de aceitar a perda (neste caso, perda de confiança em si), porque muitos alunos demonstram certa falta de à-vontade perante o desafio de distinguir, por exemplo, entre o correcto e o incorrecto, ou perante a necessidade de confessar o desconhecimento do significado de certas palavras. Sentem-se inseguros, incapazes de acertar, e por isso, simplesmente, fazem outra coisa qualquer em vez de participarem na aula: mais ou menos discretamente, dedicam-se a estudar outra disciplina, a consultar o e-mail, a passar apontamentos. É como se assobiassem para o lado, escolhendo ignorar aquela oportunidade de melhorarem e voltarem a ganhar confiança na sua capacidade – não para não falhar, mas para aprender a evitar as falhas. Ora, o medo de falhar que cala e faz cruzar os braços é, como sabemos, o pior inimigo da aprendizagem – ou um inimigo pelo menos tão inconveniente como o orgulho em ser ignorante.
Foi da percepção deste medo que surgiu o título do nosso livro de exercícios (Quem Tem Medo da Língua Portuguesa?), que quisemos que soasse como um desafio convidativo, uma proposta lúdica. Não a concebemos apenas para os que conseguiram ultrapassar a fase da negação (ou para os que não passaram por ela, porque felizmente também há casos desses!), não é só para os que passaram a considerar cada exercício, cada teste, como uma excelente oportunidade para verificarem o que sabem e o que ainda não sabiam (e que  passarão rapidamente a saber), para os que respondem, sem hesitar: “eu não!”. O livro é também para os outros, para todos, porque com ele esperamos fazer surgir, ou estimular, o prazer de falar e escrever com correcção e rigor.





Nota: este texto não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico porque não gosto dele e ainda posso fingir que não existe (estou em fase de negação, mas sem medo).

11 novembro 2011

premissas ou permissas?

Hoje venho fazer uma confissão: na aula passada, escrevi no quadro, sem pensar, "permissa".
Não tem desculpa nem perdão: se não temos a certeza de como se escreve, não devemos escrever. Muito menos num quadro de sala de aula, para todos os alunos verem e repetirem o erro, nos seus cadernos. Acreditem que me senti muito mal quando, horas mais tarde, houve uma luzinha de alarme que, muito atrasada, se ligou na minha mente. «Olha lá, não deverias ter escrito premissa?», perguntou-me um grilo falante que, na hora H, estava decerto, e infelizmente, a dormir.
O sobressalto foi atordoador. Senti uma náusea quase física. O mal estava feito. Raiva!
Desculpem o erro. E o desabafo. Todos.

02 novembro 2011

"Copydesk" por um dia - Parte I

Os textos seguintes são excertos de notícias de um órgão de comunicação social.
Faça uma revisão atenta a cada um deles e indique as incorreções linguísticas/ortográficas que detetar.


A.
"Nas operações realizadas no fim-de-semana, os elementos da PSP apreenderam 75 doses individuais de haxixe, nove máquinas de fortuna e azar, 1.847 CD´s e DVD´s falsificados, 54 peças de vestuário contrafeitas e 368 euros em dinheiro."

B.
"Quando o terceiro golo parecia eminente, o “capitão” Cristiano Ronaldo reduziu (90+2 minutos), na transformação de um livre direto, e Portugal ainda procurou o “milagre”, mas não chegou a criar qualquer oportunidade."

C.
"À DVC está associado um processo complexo, que na sua origem tem um ciclo vicioso entre a hipertensão e a inflamação venosa. "

D.
"Fonte da PJ disse à agência Lusa que a menina, com menos de 10 anos de idade, terá sido abusada num bar de uma coletividade que frequentava habitualmente, onde o suspeito trabalhava."