22 fevereiro 2012

Tal ou tais?

Os valores já não são reconhecíveis como tais ou

Os valores já não são reconhecíveis como tal ?



Resposta:

   A palavra tal pode pertencer a várias classes gramaticais. Frequentemente é usada enquanto determinante ou pronome demonstrativo, podendo ser substituída por outros como este, esse, aquele / esta, essa, aquela / isto, isso, aquilo. Se tivéssemos uma frase como “tais valores deixaram de ser considerados”, não teríamos dúvidas de que “tal valores” seria incorrecto: o determinante tal está antes do nome valores e por isso tem de concordar com ele em número.
   Mas a frase é “os valores deixam de ser considerados enquanto tal/tais [?]”, o que significa: “os valores deixam de ser considerados enquanto isso (mesmo), que é o facto de serem valores. Neste caso, podemos desde logo desconfiar da flexão do pronome no plural, porque ele não antecede o nome valores...
  Na verdade, a expressão  “como tal”, bem como a expressão “enquanto tal”, é fixa e invariável, devendo ser entendida como uma locução adverbial cujo sentido é o mesmo da palavra assim. Para comprovar isso, podemos fazer a substituição daquelas duas palavras – a expressão fixa – por esse advérbio: “Os valores deixaram de ser considerados assim.”

07 fevereiro 2012

O AO e o CCB

Duas ligações interessantes sobre a recente e polémica questão da aplicação (ou não) do acordo ortográfico no Centro Cultural de Belém:

A brigada do asterisco - comentário do Embaixador Português em França

ILC contra o AO - razões para não aceitar a sua imposição

Tubo de Ensaio- crónica humorística de Bruno Nogueira (07/02/2012)

Vamos ou "váiamos"?

Que forma do verbo IR utilizariam para preencher o espaço na seguinte frase?

A Rita quer que nós ___________ com ela.

Muitos leitores decerto escolheriam "vamos" e é essa a forma adequada para o presente do conjuntivo do verbo ir. Porém, conheço muita gente que optaria por dizer "váiamos", tal como diria "dêiamos" em vez de dêmos, se, num contexto semelhante, o verbo fosse dar. Há quem defenda, para se justificar, que "váiamos" é a forma usada na região onde cresceu e aprendeu a falar português. Até pode ser. Mas, como sabemos, nem tudo o que se ouve dizer (às vezes uma vida inteira) é o que está correcto, do ponto de vista linguístico, tendo em conta a gramática normativa. A pergunta a fazer é: queremos usar a língua de acordo com o uso regional com que nos identificamos, ou queremos usar a variedade padrão, aquela que é encarada como modelar? A escolha será sempre nossa. Convém é que seja consciente, isto é, que saibamos que estamos a fazê-la, quais são as opções e o que implica cada uma delas. É o que acontece quando optamos entre:

auga e água
pus-os e pu-los
perca e perda
espilro e espirro
hás-de e hades
se haver e se houver

..e tantas outras!

02 fevereiro 2012

"Muitos de nós sentem" ou "muitos de nós sentimos"?





A concordância verbal tanto se pode estabelecer com o determinante indefinido (ou quantificador) “muitos” como com o pronome pessoal “nós”, portanto podemos dizer «muitos de nós sentem um certo desconforto», por exemplo, ou «muitos de nós sentimos um certo desconforto».

À partida, a expressão partitiva “muitos de” deve levar-nos a flexionar o verbo na 3.ª pessoa do plural (considerando esses “muitos”, seja do que for). Se tivéssemos o sujeito “muitos do grupo” faria com certeza mais sentido dizer “muitos do grupo sentem um certo desconforto” e seria bastante estranho dizer “muitos do grupo sente um certo desconforto”. Nesse contexto, ninguém tem dúvidas!

No entanto, os falantes hesitam quando a construção é "muitos de nós". Porque o pronome nós implica a pessoa que fala. Nesse caso, há toda a legitimidade em usar o verbo na 1.ª pessoa do plural: "muitos de nós sentimos" - ainda que, de acordo com o explanado no parágrafo anterior, seja correto dizer que "muitos de nós sentem".


Aliás, e voltando à expressão "muitos do grupo", se eu fizer parte do grupo, até posso dizer “muitos do grupo sentimos um certo desconforto”. Essa concordância um pouco esquisita resulta de um processo a que se dá o nome de silepse: uma concordância que não é propriamente gramatical, mas antes estabelecida de acordo com o sentido, tendo em conta a realidade a que se alude.

Resumindo: muitos de nós sentem dúvidas; muitos de nós sentimos dúvidas. Ambas as frases estão corretas, sendo que na primeira a concordância é estabelecida com base na expressão "muitos de" + 3.ª pessoa do plural, ao passo que na segunda a concordância é comandada pelo pronome "nós".